É interessante escrever sobre as séries fotográficas que faço, porque poucas vezes paro pra olhar pra trás e ver toda a construção que vai do pensamento, passando para a fotografia e texto, - não necessariamente nessa ordem. Então vamos lá!

Bom, essa série é uma das que mais trabalhei em cima, desde revistar o material captado em 2015, à fazer leitura de portfólio, cursos, meses de trabalho intenso de experimentação e discussões coletivas sobre o material, até ganhar corpo e ser feita a primeira expo do trabalho em 2018. Em 2022 tive a oportunidade de expor novamente o trabalho, mas algo diferente do que havia proposto anteriormente, e fiz uma nova obra que compõe a série; Essa obra foi exposta sozinha em Fortaleza, na itinerância da exposição.
Na verdade esse é um grande resumo de 7 anos de trabalho, e como estamos aqui pra conversar, vou contar um pouco como algumas coisas aconteceram durante esse processo.


Essa série é a primeira de uma trilogia chamada "Maracatu", junto com as séries "Alvorada" e "Maracatu".


Na cidade de Tracunhaém, interior de Pernambuco, foi promovida a oficina "Brincadeira de Terreiro" para ensinar a fazer a gola do caboclo de lança do Maracatu,  ministradas por maracatuzeiros na sede do Maracatu Águia Formosa da cidade e intermediado por Maciel Salú e Ruth Pajeú em 2015; Eu e meu colega Sonteria, também fotógrafo, embarcamos nessa  viagem para cobrir a oficina e acabamos misturando os papéis onde, ao mesmo tempo que éramos fotógrafos, também éramos alunos.

Aprendemos corte, tamanho, medida, forro, criamos o desenho - que seria bordado depois com lantejoulas e miçangas, fizemos a dobra, reforçamos o giz, alinhavamos e começamos a bordar, tudo feito coletivamente por Sonteria, Dona Maria, Maciel, Gil e outros participantes.

Revisitei esse material em 2018 durante um curso que fiz chamado Vagalume, da Escola Livre de Imagem em Recife, com Mateus Sá, Dani Brachi e Eduardo Queiroga; Levei essa trilogia para pensar melhor no projeto, e pra minha surpresa, Mateus havia se interessado por uma parte dessa série da qual eu não olhava muito. Eram fotografias que tinham fitas métricas amarelas em cima de um pano preto, e algumas marcações de giz, fazendo as medidas da gola, numa repetição. Junto com essa sequencia de imagens, tinham outras que também usavam o tecido preto como fundo, que eram os desenhos criados com giz branco de um lado só, pra depois fazer a dobra, onde o desenho se espelhava para o outro lado. 

Comecei a trabalhar nesse material coletivamente junto com o pessoal do curso, e decidi colocar esse processo na leitura de portfólio com Livia Aquino, durante o Pequeno Encontro da Fotografia de Olinda, idealizado (também) por Mateus Sá, Eduardo Queiroga e a Maria Ribeiro. Era a terceira vez que fazia leitura de portfólio com alguém (os primeiros foram Alexandre Sequeira e Paulo Rossi), e dessa vez, o que me deixava nervosa era porque a leitura seria coletiva, com outros colegas fotógrafos que tem trabalhos relevantes como Priscila Burh, Marina Feldhues, Saura Kelly e Iezu Kaeru. Me sentia intimidada.

Depois da apresentação do trabalho da Marina que tinha me deixado extremamente emocionada, expus um extenso material na mesa e expliquei minha ideia, minha intenção, e que estava com dificuldade na montagem de sequencia narrativa, e duvidava do potencial daquele material. Ela olhou, arrodeou a mesa e entre outras coisas me questionou sobre o uso da câmera fotográfica, e o porquê de não ter feito com video, já que via ali muito movimento, ao som,  cor e tudo mais... Respondi simplesmente que meu equipamento não filmava, e ela respondeu dizendo que aquilo não era desculpa. 

Fiquei um pouco em choque porque esperava um convite pra pensar, e o que ela me passou era que aquele trabalho não fazia sentido. Embora a leitura dela pra mim não fizesse muito sentido,  respeitosamente calei e falei tudo bem. Porém a fotógrafa Saura Kelly interveio dizendo à Livia que, talvez por não ser de Pernambuco - ou morar aqui, não compreendia que, embora o Maracatu fosse sempre sinônimo de cor e movimento, aquelas fotos estáticas, pretas e amarelas que remetiam ao movimento pela sua sequencia, falava sobre o que era o maracatu antes de todo aquele brilho, antes de tudo que geralmente conhecemos. Ali, naquela hora, Kelly me ajudou a compreender meu trabalho.

Algumas pessoas vieram depois falar comigo sobre a leitura que Livia feito, teria sido um pouco dura, mas na hora falei que foi de boa, - talvez a ficha não tivesse caído ainda, mas as palavras de Saura e Marina ficaram reverberando em mim.
Carreguei essas inquietações pro curso e por meses trabalhei em cima desse material. Imprimi miniaturas e experimentei várias coisas; Li sobre o Maracatu, escrevi sobre as imagens, e na conclusão do curso dos Vagalumes terminei o trabalho, e apresentamos numa exposição coletiva no Museu Murillo La Greca, em Recife.

Embora o curso houvesse terminado, o grupo de artistas que fizeram o curso Vagalumes ficou, e esse coletivo, - apesar de nunca usarmos esse termo como construção de um grupo, mas de algo que sem perceber, já havia se formado. Colocamos o projeto em Editais do Estado e fomos contemplados, porém estávamos na pandemia. E durante esse hiato, de 2018 à 2022 muitos artistas quiseram mudar a apresentação dos trabalhos, para uma nova mostra em outro estado, Fortaleza. 

Pensar na logística de enviar o trabalho para outro Estado foi determinante para perceber o quanto meu trabalho era extenso, com 18 obras. Quis repensar o mesmo trabalho em outro formato, foi então que novamente me debrucei sobre o material e em 2022 consegui finalizar uma obra nova, com ajuda do coletivo. A união e repetição da sequencia da fita métrica, estava ligada com o texto sobre métrica e rima, e virou uma obra única, impressa no seu maior lado com 1,57m. 


Acho que essa série me ensinou e continua me ensinando muito. Primeiro porque, apesar de fazer parte de uma trilogia, ela tem sua independência no discurso, a outra é que, às vezes temos um material massa arquivado, mas ainda não nos demos a oportunidade de olharmos com outros olhos, ou mostrarmos pra pessoas que possam nos ajudar a construir narrativas e histórias que, embora tenha ajuda, continuam sendo suas histórias. E talvez o mais importante, perder o medo de experimentar; Às vezes queremos tudo pronto já na captação, edição, tratamento, construção de narrativa, e isso demora mais tempo do que imaginamos, mas vale a pena. E sabe o que vale mais a pena? Olhar pra vezes que nos arriscamos, tentamos, e conseguimos. Então vai! Porque pra fazer um maracatu, precisam-se de muitas mãos, mas e pra fazer o que faz? precisam de quantas?





VER MAIS: QUANTAS MÃOS FAZEM UM MARACATU?


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